Gibson da Costa
Nossas
escolhas metodológicas são, em minha opinião, uma escolha
política. Assim, a forma como ensinamos, e a forma como nos
relacionamos com os estudantes em sala (e fora dela), é uma
expressão da forma como compreendemos tanto o ser humano quanto a
sociedade – um reflexo de nosso imaginário antropológico e
político. Isso faz com que eu sempre me preocupe quando vejo uma
sala de aula organizada em fileiras direcionadas ao professor, com
ele ocupando uma posição magistral diante de seus alunos: o
que essa organização diria sobre o imaginário antropológico e
político da escola e do professor?
Nossa
sociedade, no século XXI, precisa de jovens que possam resolver
problemas, tomar decisões, pensar criativamente, comunicar ideias de
forma eficaz, e trabalhar eficientemente independentemente e em
grupo. O tipo de professor que funciona como “transmissor” de
conhecimento por meio de aulas exclusivamente expositivas, falando
duma posição de autoridade exclusiva em sala de aula é
insuficiente para preparar o tipo de jovens que nossa sociedade
precisa.
No
mundo cada vez mais complexo e fluido no qual vivemos, os jovens
precisam de oportunidades para desenvolverem capacidades e
habilidades pessoais, associadas aos conhecimentos e compreensões
previstos nos programas curriculares, como parte de sua educação
escolar. Para tal, o professor precisa desenvolver a habilidade de
engajar seus alunos ativamente no processo de ensino-aprendizagem,
tornando-o uma experiência mais relevante, apreciável e motivadora.
Pessoalmente, essa é uma escolha metodológica que espelha minhas
próprias compreensões sobre o ser humano e sobre a vida em
comunidade – meu imaginário antropológico e político.
Esse
processo de ensino-aprendizagem no qual os alunos participam mais
ativamente tem implicações diretas para o papel desempenhado pelo
professor em sala de aula. Há, aí, uma mudança daquele conhecido
modelo centrado no professor para uma abordagem centrada no
aluno. Há, também, uma mudança do ensino-aprendizagem
centrado no produto para um ensino-aprendizagem centrado no
processo.
Colocar
o
aluno na
posição central no processo de ensino-aprendizagem não significa,
diferentemente do que se poderia pensar, diminuir a importância do
professor nesse processo. Como afirma Libâneo,
O
professor é aqui um parceiro mais experiente na conquista do
conhecimento, interagindo com a experiência do aluno. O papel do
ensino – e, portanto, do professor – é mediar a relação de
conhecimento que o aluno trava com os objetos de conhecimento e
consigo mesmo, para a construção de sua aprendizagem. O papel do
ensino é possibilitar que o aluno desenvolva suas próprias
capacidades para que ele mesmo realize as tarefas de aprendizagem e
chegue a um resultado.1
Poderíamos
ilustrar essa mudança de abordagens por meio do uso de uma tabela.
Do lado esquerdo, veremos aquilo que poderíamos chamar de abordagem
magistral (porque centrada na autoridade
exclusiva do professor) do processo de ensino-aprendizagem, e, do
lado direito, aquilo que nomearemos abordagem democrática
(porque centrada na participação comunitária de todos os
envolvidos) do processo de ensino-aprendizagem – como a mudança de
papel do professor implica, também, uma mudança de papel do aluno,
dividirei a lista em duas partes:
PAPEL
DO PROFESSOR
De uma
“abordagem magistral”
|
Para uma
“abordagem democrática”
|
Centrada
no professor
|
Centrada
no aluno
|
Centrada
no produto
|
Centrada
no processo
|
Professor
é “transmissor do conhecimento”
|
Professor
é “organizador do conhecimento”
|
Professor
é o que faz, o que tem as respostas
|
Professor
facilita a aprendizagem
|
Foco na
matéria/componente curricular específico
|
Foco numa
aprendizagem holística
|
PAPEL
DO ALUNO
De uma
“abordagem magistral”
|
Para uma
“abordagem democrática”
|
Recipiente
passivo do conhecimento
|
Aprendiz
ativo e participativo
|
Centrada
na resposta a perguntas
|
Centrada
no questionamento
|
Receptor
da “transmissão” do professor
|
Assume
responsabilidade por sua própria aprendizagem
|
Compete
com outros alunos
|
Colabora
com outros para sua aprendizagem
|
Quer
dominar a discussão, sempre tendo razão
|
Ativa e
participativamente, ouve às opiniões dos outros
|
Aprendiz
de matéria/componentes individuais
|
Conecta e
inter-relaciona sua aprendizagem
|
Mas
o que significa, afinal de contas, chamar o professor de facilitador?
Num
ambiente escolar onde se opta por uma abordagem democrática do
processo de ensino-aprendizagem – isto é, uma abordagem que
enfatiza uma participação ativa dos estudantes nesse processo –,
o professor apoia seus alunos em seus esforços para aprenderem e
desenvolverem habilidades tais como avaliar evidências, negociar,
tomar decisões informadas, resolver problemas, trabalhar
independentemente ou em grupo, etc. Para isso, a participação dos
alunos em seu próprio aprendizado é essencial.
Algumas
vezes, o professor-facilitador terá de assumir um papel ou uma
função específica para melhorar a aprendizagem na sala de aula, ou
para desafiar seus alunos para que pensem de forma diferente. Alguns
desses papéis poderiam incluir:
- facilitador neutro: leva o grupo a explorar diferentes pontos de vista sem explicitar sua própria opinião;
- advogado do diabo: o professor deliberadamente adota uma posição oposta para confrontar os alunos, independentemente de sua própria visão;
- posições explícitas: o professor declara sua própria posição, para que o grupo, assim, conheça suas opiniões;
- aliado: o professor apoia a visão de um subgrupo ou indivíduo (geralmente uma minoria);
- posição oficial: o professor informa à turma a posição oficial sobre certos temas, por exemplo, a Constituição Federal, as leis, certas organizações etc – um exemplo: “nesta classe não aceitaremos insultos racistas, sexistas, homofóbicos, porque além de serem descorteses, violam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Federal e as leis brasileiras”;
- desafiador: o professor, através de questionamentos, desafia as opiniões sendo expressas pelos alunos e encoraja-os a justificarem suas posições;
- provocador: o professor apresenta um argumento, ponto de vista ou informação que ele sabe provocará a turma, e nos quais ele não necessariamente acredita, mas por serem crenças autênticas de outros indivíduos ou grupos, ele os apresenta convincentemente;
- ator: o professor torna-se uma pessoa ou personagem particular (por exemplo, um político, comunicador, ou líder religioso), apresentando à classe seus argumentos ou opiniões.
Os
papeis listados acima apresentam suas vantagens e suas desvantagens,
e é deveras importante considerá-las quando do planejamento de
nossas aulas. Algumas perguntas sobre as quais poderíamos pensar
incluem:
- Como me sentirei se assumir este papel?
- Posso pensar em áreas de minha prática atual nas quais alguns desses papeis poderiam ser desempenhados?
- Já assumo alguns desses papeis inconscientemente?
- Há alguma necessidade específica em minha turma que deva ser considerada?
- Que estratégias posso usar para lidar com problemas difíceis e desafiadores que possam surgir?
- Já decidi exatamente quais são os objetivos da aula?
- Etc, etc, etc...
É
importante lembrar-se, contudo, que para que nos tornemos
facilitadores em sala de aula, devemos nos engajar num cuidadoso
trabalho de planejamento. Em minha própria experiência, assumindo
diferentes papeis em sala – de acordo com meus objetivos –, isso
é ainda mais importante. É só por meio dum cuidadoso planejamento
que podemos saber o que poderia ou não funcionar com nossas turmas,
nossos objetivos, o tema que trataremos em sala etc; ajudando, assim,
nossos alunos a assumirem eles mesmos um papel mais ativo em sua
aprendizagem.
Referências
1LIBÂNEO,
José Carlos. Didática:
velhos e novos temas. [S/l]: Edição do Autor, 2002., p.5.
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