Poucas
instituições são tão hierarquizadoras quanto as instituições de
ensino oficial – sejam elas da Educação Básica ou da Educação
Superior. Independentemente das perspectivas agógicas (isto é,
pedagógicas, hebegógicas, adagógicas, gerentogógicas etc)
adotadas pela instituição ou pelo professor, a educação formal
sempre se baseia na dependência dos estudantes para com um eixo
hierárquico de autoridade – autoridade esta que pode se
centrar na figura do próprio professor, dos textos
escolares/acadêmicos, das tradições que modelam a sociedade, etc.
O fato é que, por mais que neguemos isso, a educação
institucionalizada, de modo geral, faz muito pouco para ajudar os
estudantes a se tornarem realmente autônomos – e isso desde a mais
tenra idade.
Lembro-me
de quando comecei a ensinar numa determinada escola pública nova
iorquina há cerca de uma década atrás. Discutíamos um de meus
temas favoritos em História dos EUA – o chamado “Movimento pelos
Direitos Civis” (o segundo, de meados do século XX) –, e três
de meus alunos fizeram uma reclamação formal a meus superiores por
eu os estar “forçando” a ler outras coisas e a ouvir testemunhos
de visitas que trouxe à sala, enquanto deixava de lado o livro
didático de história. Seu argumento era que eu estava tirando deles
a oportunidade de estudarem o “currículo oficial” e se
prepararem para as provas aplicadas pelo Departamento de Educação
do Estado (felizmente, meus superiores discordaram da opinião
daqueles alunos!).
Aquele
incidente me deixou extremamente perturbado por algum tempo.
Perturbei-me porque a reclamação, aparentemente, partira dos
próprios alunos, e não de seus pais. Mesmo sendo apenas três deles
– os considerados mais brilhantes da turma –, aquilo mostrava a
compreensão que tinham do que deveríamos fazer em sala: eles seriam
apenas receptores dum conhecimento acabado, e eu não passava dum
transmissor. Ficava me perguntando o que tínhamos (a escola) feito
com aqueles adolescentes para que rejeitassem a oportunidade de
chegarem às suas próprias conclusões por meio do conhecimento de
outras opiniões que podiam diferir do que o livro didático lhes
oferecia. Aqueles estudantes, no final das contas, só estavam
seguindo o que a escola os adestrara a fazer: sigam as regras,
repitam o que “aprenderam”, e tudo estará bem!
Aquele
incidente, para mim, retrata bem o efeito que a mentalidade
autoritária pode ter na percepção que estudantes têm de seu valor
e capacidades – e isso ocorre igualmente na Educação Superior.
Frequentemente, a escola/universidade parece treinar pessoas para que
sejam excelentes repetidores do que já foi dito e feito, mas
incapazes de criar algo novo a partir daquilo que supostamente
aprenderam. Nas humanidades, por exemplo, professores se esforçam
para ensinar o que, para eles, é certo; mas não esperam de seus
estudantes a capacidade de apresentarem um alto nível de
discordância – isto é, uma discordância que apresente argumentos
bem fundamentados, de acordo com a capacidade e experiência do
estudante.
Esse
problema da autoridade na educação me faz lembrar da questão do
2+2. Como gosto de dizer, 2 + 2 nem sempre é igual a 4.
Esse resultado sempre dependerá da escala de medida que utilizamos
(se nominal, ordinal, intervalar, ou de razão). E apenas nas escalas
intervalar e de razão o resultado será 4. O motivo pelo qual
pensamos que 2+2 é sempre igual a 4 é porque, na escola, a maioria
de nós apenas utilizou a escala de razão.
Se
nem com a matemática podemos atingir um produto que sempre será
inquestionavelmente correto, o que dizer das humanidades?... É
justamente por isso que prefiro que os estudantes sejam capazes de
chegar a conclusões próprias (mesmo que pessoalmente não concorde
com elas), construindo seus argumentos por meio da análise das
evidências, comparando seus argumentos com aqueles que a instituição
escolar lhes impõe, do que ensiná-los a aceitar a “tradição”
sem questioná-la. Quem sabe um dia as escolas e as universidades não
se tornarão templos da autonomia, espaços onde discordar
construtivamente seja mais importante que marcar a opção “correta”
em provas padronizadas... Sonho com esse dia!
Gibson