Gibson
da Costa
Conte-me, e esquecerei;
mostre-me, e lembrar-me-ei; envolva-me, e entenderei.
(Antigo ditado anglófono)
Lembro-me
duma conversa que tive com uma jovem professora de literatura há
alguns meses atrás. Eu facilitara um minicurso sobre ensino como
facilitação e, ao fim de nosso primeiro encontro (o
minicurso durou 5 dias), ela me disse que era muito fácil falar em
trazer os alunos para o centro do processo de ensino-aprendizagem,
mas que fazer isso era mais difícil do que eu imaginava! Como
resposta, disse-lhe que ela esquecera-se de considerar três fatos:
1) como ela, eu também ensinava a adolescentes e jovens, então
partilhávamos de desafios comuns, e eu já testara os princípios
que discutíramos; 2) aquele era o primeiro encontro, e ainda não
havíamos discutido as práticas listadas em nosso programa; e, 3)
ela talvez não percebera o tipo de atividades que realizáramos
naquele primeiro encontro, já que algumas daquelas práticas
listadas em nosso programa estavam sendo utilizadas, apesar de ainda
não as havermos discutido. Posteriormente, fiquei extremamente feliz
quando ela me escreveu, descrevendo sua experiência com algumas
daquelas práticas em sala e a transformação que trouxera ao seu
trabalho!
Aqui,
gostaria de começar a tratar, brevemente, daqueles métodos,
estratégias, abordagens etc que, em minha experiência, ajudam-me a
tornar os estudantes o eixo central no processo de
ensino-aprendizagem, e ajudam-me a transformar-me em facilitador
nesse processo. Incluirei alguns dos temas abordados naquele
minicurso ao qual fiz referência e que, de acordo com aquela jovem
professora, ajudaram-na a transformar positivamente sua atuação e a
de seus alunos em sala.
Antes
de tudo, um aviso: Por mais que isso implique numa aparente
contradição ante o fato de eu sugerir esta ou aquela abordagem
didático-pedagógica, não tenho nenhum receio em afirmar que bons
e experientes professores
conhecem
melhor suas
turmas
e suas circunstâncias
do que qualquer autor,
pesquisador ou observador
externo. Eles
sabem
como suas
turmas
respondem
às suas abordagens pedagógicas, conhecem
os contextos nos quais exercem suas atividades profissionais e, por
isso mesmo, podem planejar, adaptar
e utilizar estratégias que melhor funcionem para suas circunstâncias
particulares. Assim, quaisquer
sugestões
ou interpretações
que eu faça dizem respeito às minhas próprias experiências em
sala de aula. Elas têm funcionado para mim, sendo adaptadas quando
necessário, em meus contextos até hoje. Mas
exigem preparação,
objetivos claros,
planejamento, atenção,
paciência, visão de longo
prazo etc.
Discutirei,
hoje, sobre um conjunto de abordagens ao processo de
ensino-aprendizagem que traduzo, em português, como
ensino-aprendizagem inquisitivo.
O mesmo tem sido, há muito, objeto de discussão e uso na Educação
Básica nos países anglófonos, especialmente nos Estados Unidos, e
é parte integrante de minha herança escolar – tanto como
estudante quanto como professor. E, provavelmente, não será
completamente estranho à grande parte daqueles que estudaram em
universidades brasileiras. Mas, do que se trata?
O
ensino-aprendizagem inquisitivo
é um conjunto de abordagens didático-pedagógicas que
se focam em torno de questões
geradas
ou propostas
coletivamente. Ao longo do processo, são dadas oportunidades para
que os alunos ofereçam respostas a essas questões por meio da busca
e organização de evidências, dados e informações advindas de
diferentes fontes. Eles analisam essas evidências, dados e
informações, levando em consideração as diferentes interpretações
e perspectivas às quais foram expostos – apresentadas
por outros alunos, por outro texto etc.
A partir disso, formam opiniões, fazem julgamentos e chegam às suas
próprias conclusões
com base naquelas evidências, dados e informações. E, ao final,
comunicam aos seus colegas suas conclusões etc.
Parece
extremamente simples, mas não se engane. Esse tipo
de ensino-aprendizagem exige um real
deslocamento
do foco em sala: do professor para os alunos. Aqui, não é o
professor que domina as
aulas,
com alunos ouvindo suas explicações passivamente. Não! O professor
fala menos e ouve mais; e, quando fala, explica menos e
questiona/provoca
mais. Sua voz não domina os ares da sala. A dos alunos, sim. Isso
exige uma mudança tanto por parte do professor, quanto da dos
alunos. O
professor atua como um facilitador.
Os
alunos falam mais, mas sua fala deve ser informada e articulada –
isto é, suas questões ou afirmações são baseadas nas evidências,
dados e informações aos quais tiveram acesso. Trata-se duma
verdadeira mudança da cultura escolar. Mas é possível –
especialmente
nos componentes curriculares da área
de
Ciências
Humanas
e
Suas Tecnologias
(nas quais é possível haver um nível maior de subjetividade nas
discussões), mas
não apenas nela.
Não
há, entretanto, um único molde desse tipo de ensino-aprendizagem.
Como escrevi
um
pouco acima, trata-se de “um conjunto de abordagens”, ou seja,
uma variedade de formas para
se levar
a cabo um molde inquisitivo de ensino-aprendizagem. Spronken-Smith,
Walker, Batchelor,
O'Steen
e Angelo (2012),
pesquisadores
da área, apresentam
diferentes formas para categorizar esse tipo de ensino-aprendizagem.
Em
uma delas,
por
exemplo,
categorizam-na
com base na distinção
entre três modos de inquisição
(o
sentido do termo “inquisição” aqui é
averiguação
metódica e rigorosa; inquirição; investigação;
pesquisa – não
o
confunda
com o termo como usado em “a Santa Inquisição”; há
uma razão estética para eu escolher o termo como tradução do
inglês “inquiry”):
- inquisição estruturada → na qual o professor oferece a questão, além de instruções sobre como se deve explorá-la;
- inquisição guiada → na qual o professor estimula a investigação com questões, mas são os estudantes que decidem como explorá-las;
- inquisição aberta → na qual os alunos formulam as questões, identificam o que precisa ser conhecido, coletam e analisam as evidências, dados e informações, comunicam suas conclusões e avaliam a pesquisa.
Nesse
tipo de classificação, fica claro que poderíamos
utilizar atividades apropriadas ao tipo de turma e à experiência do
professor. Pessoalmente, tenho utilizado a aqui
chamada
inquisição
aberta
com mais frequência, em grande parte porque meus alunos já conhecem
a abordagem e estão familiarizados com ela, e
a mesma
já ser parte de meu imaginário didático-pedagógico e de meu
repertório profissional (fazendo
com que me sinta mais confortável com a autonomia dos alunos e o
desafio que isso pode representar).
Para
quem tentará pela primeira vez, ou aqueles que não estão tão
familiarizados com uma grande autonomia por parte dos alunos, talvez
não devessem começar com uma abordagem de inquisição aberta,
optando por dar mais experiência a seus alunos (e a si mesmos) antes
de dar-lhes
tamanha responsabilidade
– alunos acostumados ao ensino expositivo tradicional tendem a
sentir-se desconfortáveis com o ensino-aprendizagem inquisitivo por
algum tempo, até
que se acostumem.
Uma
preocupação comum que tenho ouvido de vários professores é sobre
o que fazer se alguns alunos não participam dos debates, estando
sempre calados. É importante ter consciência de que nem todos os
alunos participam oralmente. Eles não precisam falar para estarem
participando. Muitas vezes, a audição atenta é sua forma de
participação. Alguns anotam o que ouvem. Logo, nunca me preocupo
simplesmente pelo fato de alguns alunos não se engajarem em
discussões orais. Esforço-me
para conversar com eles fora da sala de aula, para ouvir suas
opiniões (o silêncio de alguns em sala pode indicar que não se
sentem confortáveis com a discussão em grupo, mas, se abordados da
forma certa, partilham suas opiniões conosco fora de sala). Já
tive turmas nas quais alguns alunos nunca disseram nada em sala, mas
em
seus trabalhos escritos – ou em
seu
vídeo, por exemplo –, demonstravam que haviam compreendido as
discussões e aprendido com as ideias de seus colegas. Da
mesma forma, há sempre aqueles dois ou três alunos que dominam
todas as discussões – quando esses parecem estar tomando o espaço
de outros, intervenho de forma elegante, aproveitando-me de algum
comentário para fazer uma pergunta a alguém específico. Respeitar
diferenças inclui reconhecer as diferenças de personalidade de
nossos alunos – uma preocupação exacerbada com disciplina pode
nos fazer esquecer que os adolescentes não são todos iguais.
Apesar
de a carga de preparação exigida de professores (e dos alunos) ser
grande para este tipo de ensino-aprendizagem, há inúmeras
vantagens, especialmente no que concerne às Ciências
Humanas e Suas Tecnologia
(Filosofia, Geografia, História e Sociologia) na Educação Básica.
O processo inquisitivo promove uma diversidade de vozes na sala de
aula, criando oportunidades para que os alunos expressem e
compartilhem suas opiniões. Ademais, o engajamento neste processo
ensina-os a encontrar, reconhecer, avaliar e utilizar evidências;
além de ajudá-los
na construção ou
fortalecimento
de sua autoconfiança.
Abaixo,
listo, brevemente, algumas
sugestões
para
a
utilização da inquisição em sala de aula, resumindo aquilo que
discuti com os cursistas que participaram no minicurso que facilitei
e ao qual me referi no início deste texto.
Questionando:
- faça perguntas abertas (sem “certo”/”errado”);
- convide e seja receptivo a diferentes interpretações;
- faça uso do questionamento para focar o debate;
- pergunte aos alunos o que um certo texto ou fonte significa “para eles” individualmente (Ex.: O que, na sua opinião, isso significa? / O que isso significa para você?).
Como
encorajar a voz dos alunos:
- permita que os alunos dirijam a discussão;
- use seus comentários para formular questões;
- encoraje respostas que sejam pessoais e analíticas.
- esteja atento(a) às diferenças de opinião;
- repita os pontos de vista para enfatizar as discordâncias;
- aguce a análise por meio da reformulação do debate;
- lembre-se que não há conclusões claras, apenas argumentos claros.
Como construir uma cultura de respeito:
- não permita ataques pessoais;
- evite respostas como "certo!" ou "errado!";
- arbitre as discussões de forma justa e equitativa.
Como
apoiar alunos silenciosos/tímidos:
- lembre-se que nem todos os alunos participam através da fala;
- mantenha diálogo com os alunos fora da sala de aula;
- organize discussões em grupos menores para construir sua confiança.
Posteriormente, relatarei uma aula específica para apontar como tudo
isso pode ser utilizado numa aula real.
REFERÊNCIAS
SPRONKEN-SMITH,
R.; WALKER, R.; BATCHELOR, J.; O'STEEN, B.; ANGELO, T. Evaluating
student perceptions of learning processes and intended learning
outcomes under inquiry approaches. In:
Assessment
& Evaluation in Higher Education,
37, vol. 1, 2012, p.57-72.
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