terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Sobre o filosofar...


O que Fernando Savater escreve sobre o processo de filosofar se aplica, igualmente, à minha compreensão do processo de ensino-aprendizagem. Por isso, reproduzo suas palavras abaixo:


Filosofar não deveria ser sair de dúvidas, mas entrar nelas. É claro que muitos filósofos – e até dos maiores! – cometem às vezes formulações peremptórias que dão a impressão de já ter encontrado respostas definitivas às perguntas que nunca podem nem devem “fechar-se” por inteiro intelectualmente […]. Vamos agradecer-lhes suas contribuições, mas não seguir seus dogmatismos. Há quatro coisas que nenhum bom professor de filosofia deveria esconder de seus alunos:
  • primeira, que não existe “a” filosofia, mas “as” filosofias e, sobretudo, o filosofar. […] Há uma perspectiva filosófica (em face da perspectiva científica ou da artística), mas felizmente ela é multifacetada;
  • segunda, que o estudo da filosofia não é interessante porque a ela se dedicaram talentos extraordinários como Aristóteles ou Kant, mas esses talentos nos interessam porque se ocuparam dessas questões de amplo alcance que são tão importantes para nossa própria vida humana, racional e civilizada. Ou seja, o empenho de filosofar é muito mais importante do que qualquer uma das pessoas que bem ou mal se dedicaram a ele;
  • terceira, que até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e cometeram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos intelectualmente trilhados corre mais risco de se equivocar; e digo isso como elogio e não como censura. Portanto, a tarefa do professor de filosofia não pode ser apenas ajudar a compreender as teorias dos grandes filósofos, nem mesmo contextualizadas em sua devida época, mas sobretudo mostrar como a intelecção correta dessas ideias e raciocínios pode nos ajudar hoje a melhorar a compreensão da realidade em que vivemos. A filosofia não é um ramo da arqueologia e muito menos simples veneração de tudo o que vem assinado por um nome ilustre. Seu estudo deve nos render alguma coisa mais do que um título acadêmico ou um certo verniz de “cultura elevada”;
  • quarta, que em determinadas questões extremamente gerais aprender a perguntar bem também é aprender a desconfiar das respostas demasiado taxativas. Filosofamos partindo do que sabemos para o que não sabemos, ou melhor, repensando e questionando o que acreditávamos já saber. Então nunca podemos tirar nada a limpo? Sim, quando pelo menos conseguimos orientar melhor o alcance de nossas dúvidas ou de nossas convicções. Quanto ao mais, quem não for capaz de viver na incerteza fará bem em nunca se pôr a pensar.

SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.209-210.

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