Gibson da Costa
A
maioria de meus alunos(as) – sim, utilizo essa palavra por não
subscrever ao mito sobre suas origens – conhece algumas de minhas
posições ideológicas. Meus alunos e alunas sabem, por exemplo, que
dou preferência à paz, que sou um defensor da liberdade de
consciência e expressão, e que sou um promotor da democracia em
nossa própria relação; conhecem minha visão sobre ouvirmos os
vários lados de uma discussão para sermos capazes de construir um
julgamento mais equilibrado e justo; sabem o quanto rejeito o
preconceito infundado contra ideias e pessoas, e sabem até que ponto
posso provocá-los para que analisem seus próprios argumentos numa
discussão.
…Tudo
isso é muito explícito na relação que construímos em sala –
faço questão de deixar claro de onde falo, e de que saibam que
podem discordar de qualquer coisa que eu diga, desde que defendam
argumentos sólidos em sua oposição (um foco em tudo o que fazemos
em sala).
Esse
é o meu “partido”, o meu “lado”. E todos eles podem tomar
parte em qualquer “partido”, qualquer “lado”. Se discordar da
visão de qualquer um deles ou delas, conhecerão exatamente quais
são minhas razões. E sempre incentivo a cada um deles a expressar
suas opiniões e razões.
Meus
alunos, contudo, nunca ouviram de minha boca que deveriam votar nos
candidatos do partido A, B ou C, porque os dos demais partidos eram
piores. Nunca me viram com camisetas, bandeiras ou etiquetas
partidárias. E nunca ouviram ou viram isso porque confio em e
respeito: 1) sua inteligência e autonomia; e 2) meu próprio
trabalho. Mas, ainda assim, acredito que saibam claramente qual é o
meu “partido”, isto é, de que “lado” estou no mundo que nos
cerca.
Durante
toda a minha carreira como professor, ao longo da última década e
meia, tenho me esforçado para ajudar os estudantes com quem trabalho
a desenvolverem a capacidade de questionar o que digo e suas próprias
certezas, e de articular seus pensamentos de forma racional e
inteligível. Esse é um de meus trabalhos principais como professor
– especialmente nesta época na qual qualquer pessoa tem acesso a
[quase] qualquer tipo de informação sem a necessidade de
intermediação dum tutor.
Confesso
que isso não é fácil. Nem sempre é fácil convencê-los de que é
possível integrar o que aprendem em outros componentes curriculares
aos nossos cursos de Língua, Literatura, História ou Filosofia. Nem
sempre é fácil facilitar debates de temas “polêmicos” em
classes que possuem estudantes com backgrounds tão diferentes
entre si, e tão diferentes do meu. Nem sempre é fácil ensinar que,
num debate, nossas emoções devem ser limitadas pela “racionalidade”
crítica. Nem sempre é fácil ajudá-los a perceberem que nem sempre
as respostas que encontramos são a coisa mais importante: o caminho
que percorremos até uma resposta, frequentemente, é muito mais
importante. Nem sempre é fácil, mas minha experiência me mostra
que é possível. Os riscos são altos – afinal, em nossas escolas
acorrentadas às visões do século XIX, um professor despir-se da
manta da “autoridade” para ensinar sobre autonomia e liberdade
intelectual é quase cometer suicídio profissional diante de alguns
colegas e pais –, mas têm sido, até aqui, recompensadores.
Sim,
em minha sala de aula sempre haverá “partidos”. Sempre haverá o
“partido” de cada um de nós, pois todos temos os nossos
próprios. Sempre haverá ideologias, credos, crenças, ideias,
convicções por trás do que ensino e como ensino. Os livros e os
temas que escolho para discussão são baseados em certa compreensão
que tenho do mundo – em certa “ideologia”. As respostas de meus
alunos, seus argumentos e suas discordâncias são todos também
baseados na forma como enxergam o mundo. Esses são nossos
“partidos”, nossos “lados”. É tolice pensar que qualquer
forma de ensino seja descompromissada com um “partido” (no
sentido metafórico ou factual). Tudo o que faço, como professor ou
cidadão, é plenamente “partidarizado”; e isso porque sou um ser
racional, consciente de minhas escolhas ideológicas.
Imaginar
e dizer que a discussão de um livro com os alunos aos quais ensino é
uma tentativa de “fazer lavagem cerebral” neles é subestimar sua
inteligência. Eles foram suficientemente maduros para selecionarem
sua leitura, e têm sido suficientemente maduros para se engajarem na
leitura e discussão do livro. Pessoalmente, confio em sua maturidade
e capacidade, e em minha própria para facilitar as discussões. E
convido a cada um dos pais, mães ou responsáveis a participarem de
nossas aulas e discussões. Se estiverem lá, perceberão que seus
filhos são plenamente capazes de defenderem seus próprios pontos de
vista e convicções. Perceberão que todos eles têm seus próprios
“partidos”, pois são seres humanos – seres que pensam
sozinhos. E se perguntarem a eles, se lerem o que eles escrevem, se
averiguarem os tipos de trabalhos que fazem, perceberão que têm uma
ampla liberdade em nossas aulas.
E,
novamente, reafirmarei que em minha sala de aula sempre haverá
“partidos”! Isso é uma exigência de qualquer atividade racional
e que se considere “científica”, como o é a empreitada escolar!
Sempre estarei disposto a pagar o preço necessário pela
“multipartidarização” de minha sala de aula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário