Gibson
da Costa
Porque
um estudante, recentemente, pediu-me uma breve explicação de minha
“didática” – com o que imagino que quisesse se referir a
minhas perspectivas linguísticas e pedagógicas –, exponho
brevemente, aqui, as compreensões linguísticas que trago à minha
prática pedagógica e, consequentemente, às minhas abordagens em
sala de aula.
O
ensino de língua na escola, em minha compreensão e prática,
fundamenta-se sobre três eixos básicos: a leitura, a
produção textual (escrita) e a análise linguística.
Os três se inter-relacionam, já que não podem, isoladamente, “dar
conta” do desempenho linguístico esperado duma pessoa
escolarizada.
As
expectativas sociais relacionados ao ensino de língua na escola
geralmente podem se resumir em ajudar os estudantes a ler e
escrever “bem”. Pessoalmente, entretanto,
prefiro pensar que meu objetivo, enquanto professor de língua –
mas também enquanto professor das humanidades –, seja o de
facilitar a ampliação de competências linguísticas e outras
dos (e pelos) alunos.
Em
minha compreensão, não cabe apenas ao professor de língua a
facilitação da ampliação de competências linguísticas. Tudo o
que fazemos no meio educacional é linguístico; todos – estudantes
e professores dos mais diferentes componentes curriculares –,
afinal, dependemos da língua (em qualquer de suas formas) para a
realização do processo de ensino-aprendizagem. Assim, professores
de todos os diferentes componentes curriculares (as “matérias”
escolares) são, de alguma forma, também professores
de língua – por mais que não possuam formação linguística
específica, que não percebam isso ou que não sejam vistos como
tais.
Também
é importante deixar claro que não enxergo o trabalho do professor
como sinônimo de um simples “ensinador” – se com o
verbo “ensinar” refira-se a alguém que despeje seu conhecimento
sobre mentes vazias e incompetentes. Não. O trabalho do professor,
em minha compreensão, é o de facilitar a ampliação
daquelas habilidades e competências que os estudantes trazem para a
escola. Ou seja, aquilo que chamamos de “ensino” não
consiste em “transmitir” ou “transferir” informações aos
estudantes (como se os estudantes não passassem de antenas);
mas, sim, em ajudar os estudantes a ampliarem o conhecimento que
já têm do mundo – no caso específico da língua, a ampliarem
sua compreensão, conhecimento e uso em função, por exemplo, dos
diferentes contextos nos quais podem se encontrar em suas relações
sociais.
O
ensino linguístico – assim como o ensino de qualquer outro campo
escolar – pode oferecer um caminho de libertação intelectual
ou, contrariamente, um caminho de prisão a tradições que
rejeitam todo o conjunto de conhecimentos que se têm desenvolvido
nos últimos séculos. O ensino de língua, talvez mais do que
qualquer outro campo, tem sido – muitas vezes – um território
onde velhos preconceitos culturais e sociais insistem em permanecer
no meio escolar. Assim, muitas vezes, o autoritarismo hierárquico
se esconde por trás duma visão de “gramática” que
rejeita, por exemplo, pesquisas linguísticas e psicológicas sobre o
fenômeno linguístico; se esconde por trás duma visão do que seja
“literatura” que rejeita estudos acadêmicos sobre o fazer
literário.
A
escola, em minha visão, é o ambiente onde o conhecimento não
especializado do estudante deve se encontrar e ser alargado pelo
conhecimento especializado do campo de dado componente curricular.
Assim, seu conhecimento e uso da língua, e o conhecimento não
especializado dito “tradicional” (aquele que, por exemplo, dita
ao estudante o que é linguisticamente/gramaticalmente “certo” ou
“errado”) que ele herda de seu meio sociocultural, deve ser
ampliado pelo conhecimento especializado que será adaptado pelo
professor à comunidade de estudantes da Educação Básica (Ensinos
Fundamental e Médio).
E é
exatamente isso – a ampliação de habilidades e competências
– que intenciono com as atividades que frequentemente proponho aos
estudantes. Em minha visão e experiência, é mais interessante e
recompensador para os estudantes aprenderem a usar a chamada
variedade culta da língua defendendo seu ponto de vista pessoal
sobre um problema real num texto dissertativo-argumentativo do que
fazerem exercícios de análise sintática em sala de aula. Afinal
de contas, queremos usuários competentes da língua ou queremos
formar, nos Ensinos Fundamental e Médio, professores de gramática
prescritiva/normativa?
Ficarei
deveras feliz se souber que um ex-estudante foi capaz, após ter
terminado a Educação Básica, de compreender um contrato, escrever
uma solicitação a um órgão público, falar ao telefone com um
cliente, convencer um ouvinte, utilizar suas competências
linguísticas para adentrar o universo acadêmico ou profissional.
Esse é o “sonho” de qualquer professor com minha formação e
experiência. Não ensino língua, na Educação Básica, para que os
estudantes saibam dar nomes a cada uma das classes de palavras ou a
todas as classificações verbais possíveis – esse é um tipo de
conhecimento que espero de mim mesmo, como professor, e não dos
estudantes.
Minha
prática em sala de aula, obviamente, está condicionada
por minha formação intelectual e profissional multifacetada.
Também possuo formação e atuo em outras áreas de conhecimento. E
todas elas se intercruzam quando ensino Língua ou Literatura. A
História, as Ciências Sociais, a Teologia, a Filosofia, a
Psicologia e a Geografia frequentemente adentram minhas “aulas” de
Língua e Literatura. Minha formação não me permite abordar os
componentes curriculares escolares – as “matérias” escolares –
como campos isolados uns dos outros. Seu isolamento só pode existir
nos pequenos compartimentos mentais que somos treinados a construir
na escola. Eu me recuso a facilitar a construção de tais
compartimentos em minha relação com os estudantes.
Essa
é a razão por que debates, pesquisas e textos dos mais variados
gêneros são e continuarão a fazer parte de nossas aulas. Não sou
adestrador de animais domésticos; sou professor de seres humanos.
Não esperem que eu adestre seres humanos: eu apenas tento facilitar
seu caminho rumo à autonomia que deve marcar o ser humano!
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